quinta-feira, 20 de agosto de 2009

O Teatro é Necessário? - De Denis Guenoun


O cinema tendo se apoderado do imaginário do espectador, satisfazendo a seu desejo de identificação, qual seria, então, o lugar do teatro na cena contemporânea?Um tema que vem se propondo cada vez mais ao exame crítico moderno é odo estatuto do teatro no contexto globalizado e tecnocentrado da contemporaneidade e, nesse sentido, é valiosa a reflexão que este volume da coleção Debates, traduzido por Fátima Saadi, leva ao leitor de língua portuguesa. Trata-se de responder à questão: O Teatro é Necessário? Para tanto Denis Guénoun acompanha, ao longo da história do teatro, a formação e as modificações do conceito de identificação com o personagem, tanto por parte do ator quanto do espectador.Na Antigüidade, a mimese não supunha a identificação, que se esboça a partirda releitura renascentista da Poética de Aristóteles e encontra seu ápice nonaturalismo do fim do século XIX. Diderot, Stanislávski e Brecht são tomadoscomo marcos na discussão sobre a ilusão no teatro, redirecionada com osurgimento do cinema que, ao se apoderar do imaginário do espectador, satisfazendo a seu desejo de identificação, torna ainda mais evidente a vocação do teatro para o jogo, para o fazer compartilhado entre atores e espectadores,capaz de articular de modo produtivo a estética, a ética e a política.

Texto e imagem: estudos de teatro


Texto e imagem: estudos de teatro
Maria Helena Werneck e Maria João Brilhante (org.)
Texto e imagem: estudos de teatro é uma cooperação entre teóricos portugueses e brasileiros, os ensaios reunidos no livro procuram responder às novas perspectivas apresentadas aos estudos de teatro, pensando conceitos como teatralidade, performatividade, entre outros. Espetáculos de grupos brasileiros (como Vertigem, Oficina e Macunaíma) e de grupos portugueses (como O Bando) são alvos de análise, como mote para a reflexão crítica e teórica sobre a produção contemporânea.

domingo, 9 de agosto de 2009

MEMÓRIA DA CRÍTICA TEATRAL - VALMIR SANTOS (PARTE II)

Valmir Santos é jornalista. Autor de históricos de coletivos como Armazém Companhia de Teatro, Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz, Parlapatões, Patifes & Paspalhões e Grupo XIX de Teatro. Integra o júri paulista do Prêmio Shell de Teatro. Cursa mestrado na USP. E foi repórter do jornal Folha de S.Paulo (1998-2008).

MEMÓRIA DA CRÍTICA TEATRAL - VALMIR SANTOS

Cerimônias de Despedida

Na adaptação para o teatro de “Por um Fio”, de Drauzio Varella, a força vem do texto original — um relato da convivência do médico com pacientes terminais

Por Valmir Santos

,A boa prosa do médico Drauzio Varella justifica as releituras frequentes acolhidas no teatro, no cinema e na televisão — Estação Carandiru, seu livro mais popular, por exemplo, ganhou versões em todas essas áreas. Agora é a vez de Por um Fio, que chega a São Paulo. A última fala da peça, dirigida por Moacir Chaves, traduz o espírito da obra: "O cavalo fica mais esperto quando sente vertigem na beira do abismo", frase de um dos pacientes terminais tratados por Drauzio.
Diante dessa força dramática, Chaves optou por transpor literalmente parte dos textos do livro para a cena. Nas 11 narrativas, o espetáculo apresenta as histórias de homens e mulheres cujas vidas ganharam outro significado após um diagnóstico sombrio. Com alguns, o médico partilha cerimônias de despedida; com outros, a cura. Os pacientes têm consciência da morte iminente ou da sobrevida — e qualquer uma transforma a visão sobre ser e estar no mundo.
O relato de um imigrante polonês é dos mais contundentes. Homem de negócios, casado, pai de quatro filhos, ele opera um tumor na perna, enfrenta nódulos nos pulmões, fica viúvo e namora uma moça 35 anos mais nova. Contraria os filhos e vive mais dois anos ao lado dela. Tempo de progressão da doença e de experimentar um sentimento amoroso que jamais tivera.
Na peça, como no livro, o ciclo fecha-se com Drauzio lembrando o tratamento e a perda do irmão dois anos mais novo, vítima de tumor maligno. O convívio cotidiano com a onipresença da morte faz com que Varella/Chaves abordem lateralmente alguns dilemas da triangulação paciente/familiares/médico em decisões urgentes quanto a procedimentos cirúrgicos.
OUTONO DA VIDA
Em termos formais, a direção de Chaves é convencional. Pouco recria em torno do que já existe na obra — daí que seja inescapável a opção pela narração em detrimento da representação. Para quem leu as histórias, paira a sensação de "ouvir o livro" por meio das vozes dos atores Regina Braga e Rodolfo Vaz, revezando-se na interpretação de Drauzio e dos pacientes. São presenças acanhadas, que não correspondem ao que eles podem proporcionar.A trilha ao acordeão ou ao piano suaviza as transições de um quadro a outro, e a cenografia de J. C. Serroni compõe um painel sobre o outono com árvores ressequidas e folhas caídas. São recursos de um espetáculo em que a ligação com o espectador se dá mesmo por meio de um texto que sublinha a vida ao tocar o seu contrário. No que se refere a Drauzio, revela sua capacidade de se emocionar com o distanciamento exigido pelo ofício de médico. No caso da peça, essa é uma virtude que não conseguiu ser reproduzida.

Valmir Santos é jornalista.

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

MEMÓRIA DA CRÍTICA TEATRAL - AIMAR LABAKI (PARTE 2)

Cultura: Montar a cara - A identidade nacional em cena
em 30/07/1993
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O fio condutor do teatro brasileiro, rompido em 1968, é reciclado e mostra um rosto forte em centros menores. O viés "fumaça e luzes", pós-modernista, esgota-se em belos cenários e falta de idéias.
por Aimar Labaki*

A ditadura no Brasil coincidiu com uma etapa muito acelerada da revolução tecnológica no resto do mundo. A transição lenta, gradual, interminável, impossibilitou aos velhos protagonistas e aos novos figurantes uma solução honrosa para a distância entre os projetos abortados em 68 e as transformações imprescindíveis para que o país não perdesse em definitivo o trem da história.O teatro brasileiro, dividido entre retomar processos interrompidos pelo regime de exceção e identificar novas estéticas (e, principalmente, novos públicos), acabou por repetir erros de avaliação e inaugurar novos desvios. É necessário identificar os fios perdidos dos projetos que se escondiam sob os nomes TBC - Arena - Oficina para distinguir o que é o novo indispensável do que é apenas o velho inevitável.As saídas já são visíveis para qualquer observador da cena nacional: o aprofundamento das relações com o exterior e o interior do país. Para fora do eixo Rio-São Paulo, os caminhos do teatro nacional passam por Nova Iorque e Barbacena (MG), por Manizales (Colômbia) e Londrina (PR).Franco Zampari fundou, em 1948, o TBC - Teatro Brasileiro de Comédia - e com ele a primeira companhia profissional brasileira a viabilizar, a longo prazo, temporadas com aquele repertório e aquela estética pelas quais toda uma geração de paulistas e cariocas vinha lutando através de projetos como "Os comediantes" .Último alento hegemônico de uma aristocracia falida, ou ao contrário, gesto de afirmação de uma cultura imigrada (Zampari é um pouco o Egisto Guirotto de Jorge de Andrade), a verdade é que o TBC estabeleceu critérios estéticos que não só se reproduziram à exaustão - e ainda estão presentes na produção mais comercial - como foi a base sólida para que projetos tão díspares como os de Boal, Guarnieri, Zé Celso Martinez ou Amir Haddad pudessem se concretizar, ainda que por oposição.Dessa experiência surgiu um teatro que, ainda hoje, 45 anos depois, predomina no gosto do público médio. Trair e coçar é só começar de Marcos Caruso, Porca miséria, do mesmo autor em parceria com Jandira Martini, Procura-se um tenor, dirigida por Bibi Ferreira e protagonizada por Juca de Oliveira, Fulvio Stefanini e Débora Duarte e, principalmente, O céu tem que esperar, produzida por Paulo Autran são montagens que repetem, hoje, no palco - e na platéia - a estética do TBC.O interessante é que desta mesma matriz surgiu o que nosso teatro tem de mais "experimental" e pessoal: a trajetória de Antunes Filho. Assistente dos italianos do TBC, Antunes foi nosso melhor sucedido encenador "comercial", antes de se lançar na aventura que desembocaria em Macunaíma (1977), obra-prima que nos colocou no mapa do circuito internacional. Misturando influências que vão de Bob Wilson a Suzuki a um discurso quase new age, Antunes criou com o CPT (Centro de Pesquisa Teatral) um núcleo de fazer teatral de Primeiro Mundo. Da cenografia à interpretação ele chegou a um método sempre anunciado, mas nunca publicamente exposto - que se traduz em uma postura e não em uma estética estratificada. O centro de sua reflexão é o homem brasileiro, presente em obras que partem de Guimarães Rosa, Shakespeare ou mesmo de texto "próprio" (Nova velha estória). Mas o nó da produção nacional, Antunes ainda não venceu: ele não conseguiu encontrar ou produzir uma dramaturgia específica para sua estética. Aliás, sua experiência com um autor de primeiro time e vivo (Luiz Alberto de Abreu - Xica da Silva) resultou no espetáculo mais fraco dessa fase.Sua interpretação para o fato coincide com a de seu contrário no espectro ético-ideológico: Gerald Thomas. Com palavras diferentes os dois confessam o que vários encenadores da nova geração repetem: o novo teatro ainda não encontrou uma nova dramaturgia. Os autores escrevem nos anos 90 "liderando atores intelectualmente limitados". Como se estivessem nos 40 - à espera de diretores decepa, fiéis ao "autor".A verdade é que Antunes encontrou, sim, sua solução. E ela é macunaímica. Ele reescreve Nelson Rodrigues, Guimarães e Shakespeare sob a justificativa da direção e sem o ônus de uma adaptação. E agora anuncia um retorno ao início mesmo de toda a sua trajetória de pensador do palco. Vai remontar Pedreira das almas, de Jorge Andrade, texto com o qual encerrou as atividades do TBC em 1964.Um estudo atento do texto de Andrade, da história daquela montagem e da trajetória posterior de Antunes levam a uma conclusão curiosa: nosso mais ambicioso artista do palco não existiria sem a herança "retrógrada" da Cia. da Rua Major Diogo e, em seu primeiro espetáculo de autor, ele fechou as portas de seu berço com um retrato profético do processo de depauperização da população sob o jugo do regime que então se inaugurava. Que ele retorne agora a esse texto é sinal de que um ciclo se conclui - ou se reinicia. E, com ele, o país também volta a enfrentar velhas quimeras.ArenaO Arena terminou porque a ditadura prendeu, torturou, matou e forçou ao exílio seus integrantes. A mesma afirmativa é verdadeira no caso do grupo Oficina. Mas tanto um como o outro teria suas atividades encerradas mesmo se a ditadura não eclodisse. Esse final já se encontrava claramente anunciado em sua própria história.O projeto de Guarnieri e de Vianinha era, em sua base, muito diferente do projeto de Augusto Boal. Hegemônico no grupo, Boal desenvolvia um trabalho que inevitavelmente teria que fazer a opção entre o político e o estético. Sua experiência de teatro-jornal e mesmo a sistematização rígida do Sistema Coringa já apontavam para uma opção clara pela ação política direta em detrimento da militância restrita ao universo tradicional da encenação.Teatro na CâmaraHoje, o trabalho dos dois centros de "teatro do oprimido" - um na França e outro no Canadá - é um indício de que o Arena, enquanto grupo, iria necessariamente se desmembrar. Isso é ainda mais claro na adesão de Boal à política tradicional. Como vereador do Rio de Janeiro pelo PT ele está exercendo mandato com uma plataforma revolucionária na forma. Segundo ele "nos anos 60 nós desvendamos o que há de político no teatro, agora vamos desvendar o que há de teatral na atividade política". Seu método: um grupo de atores vai usar suas técnicas de teatro do oprimido para levar as discussões de projetos da Câmara às ruas, captar lá as posições populares sobre esses assuntos e levá-las para o plenário.Nesse caminho do teatro para a política ficaram órfãos exatamente aqueles que haviam feito o caminho contrário. Vianinha e Guarnieri fundaram o TPE (Teatro Paulista do Estudante) como tarefa para o PCB. Fizeram um teatro que só se distinguia do realismo socialista por ter bom gosto e uma ginga própria. A ditadura fez com que ambos encontrassem terreno apropriado para amadurecer a sua dramaturgia. Guarnieri conseguiu ser mais afinado do que nunca com seu tempo em peças como Um grito parado no ar e Ponto de partida e Vianinha alcançou a maestria em Rasga coração - exatamente um texto sobre as opções possíveis para um coração de esquerda numa sociedade vocacionada para a direita.Mas a redemocratização vai deixar essa ala sem projeto. Vianinha, prematuramente falecido, talvez pudesse achar novos caminhos com sua proverbial capacidade de trabalho e de autocrítica. O mesmo não aconteceu com Guarnieri.O autor que colocou o operariado no centro da cena (Eles não usam black tie, 1958) não evoluiu com o tempo. Partiu para uma dramaturgia auto-indulgente (Pegando fogo lá fora, 1988) e para um projeto auto-referente: a re-ocupação do teatro de Arena. Esse vinha sendo utilizado por períodos de dois anos por grupos fixos. O primeiro projeto capitaneado por Fauzi Arap - Tarô: Rosa dos ventos - rearticulou um Seminário de Dramaturgia que desde então (88) mantém-se em atividade permanente sob a direção de Chico de Assis e conseguiu realizar pelo menos uma reflexão poética sobre a impossibilidade de se retomar o projeto dos anos 60 de forma mecânica na obra-prima Às margens do lpiranga, texto e direção do próprio Fauzi Arap. Os dois anos seguintes, 1990-91, foram utilizados por Francisco Medeiros e seu Maioridade de 68 que reuniu, durante um ano, depoimentos públicos de personagens como José Dirceu, Fernando Gabeira, Fernanda Montenegro e Zuenir Ventura.Mais uma vez a chave lírica foi acionada para se trabalhar esse material em espetáculos como Homeless, com texto de Noemi Marinho, e Antares, de Alcides Nogueira. Em 1992, depois de duas experiências vitoriosas, o espaço foi cedido a Guamieri. Não se pode falar em decepção. A verdade é que nada ou quase nada aconteceu no espaço da Teodoro Baima. É como se a paralisação do artista – que, aliás, ficou doze anos sem mostrar textos novos antes do fracassado Pegando fogo... - se refletisse no homem público e político (lembre-se que Guarnieri foi secretário municipal da Cultura). Praticamente fechado, a não ser por uma curta temporada de Meu nome é Pablo Neruda, texto escrito às pressas para preencher um buraco criado por problemas de direito autoral, o Arena permanece fechado como um símbolo da perplexidade em que se encontra toda uma geração que fez uma opção preferencial pelo compromisso ideológico e que não consegue reagir à aparente derrocada de seu universo de referências ideológicas.Teatro PolíticoO trabalho que mais se apropria das questões e procedimentos do teatro político como foi entendido pela geração de Guarnieri, sintonizando-o com a realidade mais imediata é o de Aderbal Freire Filho e seu Centro de Construção e Demolição do Espetáculo. Em dois espetáculos, O tiro que mudou a história e Tiradentes, ele inaugurou um Núcleo de Teatro Político e redimensionou a questão do viés ideológico em qualquer análise histórica.O tiro... reviveu durante dois anos de temporada a última noite de Getúlio Vargas no próprio Palácio do Catete, hoje Museu da República. A equação "épico versus dramático" encontrou aí um equilíbrio delicado, reproduzindo em outra chave os procedimentos erigidos pelo Arena na fase dos musicais. Já Tiradentes levava o público em ônibus pelo Rio parando em cinco estações da via-sacra do personagem título (não por acaso presente no repertório do Arena - Arena conta Tiradentes).Aderbal encara a questão de frente, nomeando-a. Aceitando o rótulo de teatro político, ele tenta desmitificar a categoria e a aproxima da questão puramente teatral - como se fosse possível dissocia-las.Mas o trabalho do Centro não se resume a seu Núcleo de Teatro Político. Aderbal enfrentou a questão da transposição da linguagem literária para o palco em A mulher carioca aos 22 anos, de João de Minas. O romance desse predecessor de Nelson Rodrigues ganhou montagem radical do Centro: o uso de uma derivação do Sistema Coringa aplicada ao texto amoral e debochado espalhou-se num primeiro momento por mais de cinco horas numa opção por transpô-lo na íntegra. A falta de concentração de um público desacostumado a montagens longas (comuns na Europa) obrigou a realização de cortes drásticos, que não descaracterizaram a proposta.Está pois a tradição do Arena muito bem representada. Paradoxalmente por alguém que fez opções opostas às dos pressupostos daquele grupo. Senão vejamos: para Aderbal a questão inicial é a da ética e não a ideológica, ao contrário da própria história da formação do Arena. Em segundo lugar, Aderbal não adere à ilusão da inevitabilidade da vitória do socialismo ou da superioridade natural das formas populares - suas opções estéticas são sofisticadíssimas. E, melhor, não cai na falácia da morte das ideologias. Ele não teme a dúvida, mas se orgulha de suas certezas.Museu ProletárioJá a tradição do CPC (Centro Popular de Cultura), derivada da face mais engajada da odisséia do Arena, também mantém seus desdobramentos. Amir Haddad e César Vieira tratam de manter a chama acesa.César Vieira, nome artístico do corajoso advogado de presos políticos Idibal Piveta, mantém há décadas seu União e Olho Vivo como uma espécie de museu vivo do teatro proletário e revolucionário, resultado de uma tradição que começa no teatro político de Piscator, passa pelos grupos anarquistas em São Paulo e desemboca nesse grupo que desde 1972, permanece fiel a seus objetivos e procedimentos. Nele os conceitos de popular e nacional são já definidos, não cabendo dúvida ou dissensão.Amir Haddad e seu grupo Tá na Rua é seu oposto. Sem nenhuma certeza apriorística, ele procura realizar um trabalho popular e voltado para as questões nacionais. Haddad abdicou até do consagrado espaço do palco, preferindo a rua. Seu teatro não é "teatro na rua", é "teatro da rua", pensado e realizado na via pública, no espaço aberto. Ele procura cooptar o público para a ação, alterando-a pelo processo - sem se preocupar com a clareza da mesma mensagem ou a pureza dos meios. É um verdadeiro revolucionário que tem espalhado sua inquietação - e não suas certezas - por grupos de rua de Porto Alegre, do Nordeste e, principalmente, do Rio de Janeiro, onde reside e atua mais seguidamente. Haddad realiza o sonho do CPC, ainda que não seja à primeira vista politicamente correto. Seu teatro é popular, de adesão imediata pela massa e é revolucionário, na medida em que consegue transformar em reflexão orgânica o que encontra como manifestação ideológica nas praças das grandes cidades. Não é por acaso que o grupo resiste com dificuldade, sem nenhuma ajuda substancial dos órgãos públicos. No que aliás é assemelhado ao grupo de Aderbal Freire Filho.Pós-modernoA esquerda, portanto, está presente em nossa produção teatral, apesar dela mesma, enquanto categoria, ter sua existência cotidianamente negada. Estaria a direita representada apenas pelo chamado teatro comercial que reproduz e referenda a ideologia burguesa? Ledo engano.Como expôs brilhantemente Eugênio Bucci no último Festival de Teatro de Curitiba, "hoje mais do que nunca existe uma diferença clara entre esquerda e direita e esta diferença é imprescindível. Está mais à esquerda quem prioriza o direito à vida, inerente ao ser humano, em detrimento ao direito à propriedade. A posição contrária a essa é a direita".E Bucci expande essa reflexão para os palcos: "Existe uma desonestidade da esquerda, sempre que subjuga os interesses estéticos à defesa de uma tese - e isso geralmente resulta em mau teatro. Mas existe seu equivalente à direita, é a chamada pós-modernidade, no momento em que vende a febre da razão, a impossibilidade de se definir um padrão de valores, como se fosse uma certeza irrefutável. Quando vejo esse engodo embrulhado em luz e fumaça, tenho vontade de sair do teatro".À primeira vista essa colocação pode parecer um ataque direto ao trabalho de Gerald Thomas. No entanto, me parece que essa reflexão é mais pertinente se dirigida aos filhotes de Gerald Thomas espalhados pelo território nacional.ThomasThomas é encenador de primeiro time, grande artista plástico que realiza, na verdade, instalações às avessas, onde o público é que fica imobilizado - por tédio, deslumbramento ou compromisso com a "modernidade". Anos-luz na frente da maior parte de nossos profissionais, ele determinou um grau de exigência técnica que alterou radicalmente nosso panorama teatral em poucos anos. Seu calcanhar de Aquiles é justamente o mesmo de Antunes: não encontra material dramatúrgico à altura de suas aspirações estéticas. Mas é menos esperto que Antunes. Esse conhece suas limitações e usa os clássicos como rede de segurança. Gerald se arrisca como dramaturgo e aí os resultados são risíveis - principalmente se comparados com sua performance como encenador. Mas se descontarmos seu marketing pessoal e a irresponsabilidade de sua relação com a cultura nacional, trata-se de um artista maior à procura de um meio de expressão. O problema é que o que nele é orgânico, copiado vira pastiche de pós-modernidade. Paródia de paródia nem paródia é.A reflexão de Bucci é ainda pertinente se aplicada ao grande contingente de encenadores que transitam numa faixa estreita entre as inovações das artes cênicas (onde as fronteiras entre dança, ópera e teatro são tênues) e a reflexão pseudofilosófica. São encenadores por vezes talentosos, mas que parecem paralisados pela quantidade de informação mal digerida. Jovens que têm opinião formada sobre Nietsche, mas não se pronunciam sobre as próximas eleições. Grupos com uma azeitada máquina de produção, mas sem projeto estético. Citar nomes para esses casos seria apenas fazer uma provocação desnecessária. Inclusive porque sua confusão ideológica é involuntária. Eles recriam o espaço da "arte pela arte", do artista burguês cujo direito à expressão lírica está acima de seus compromissos com a realidade social onde sua produção se coloca. São românticos avant la lettre posando de racionalistas, para quem crítica é adesão ou ataque pessoal. Juventude é um mal que passa. Burrice não.OficinaO Oficina foi o ápice de um tempo em que o teatro brasileiro era vanguarda no mundo e dialogava com a comunidade e os outros componentes da cultura oficial, liderando-os. Seu protagonista foi José Celso Martinez Corrêa, gênio comprovado, que teve a capacidade de, numa trajetória de pouco menos que quinze anos, ingerir e deglutir, recriando antropofagicamente a trajetória teatral do Ocidente de Stanislavsky - na melhor montagem realista brasileira segundo vários críticos, Os pequenos burgueses de Máximo Gorki (1963) - , até a subversão das relações palco-platéia em Gracias Señor, espetáculo que sintetizava as suas vivências da contracultura em sua convivência com o Living Theatre no Brasil.O Oficina, extinto pela ação da ditadura, iria terminar se transformando em outra coisa, de qualquer maneira - mas à moda do Arena. Sua vocação era para a teatralização da vida. Explodido o espaço convencional do palco, Zé buscava explodir o tempo. Teatro não é apenas das 9 às 11 da noite, mas por toda a vida.Sua trajetória no exílio e depois de sua volta é uma ilustração dessa intenção. De 79, quando voltou, a 91, quando estreou seu primeiro espetáculo a fazer temporada regular desde As três irmãs (1973), Zé transformou sua atuação pelo tombamento do Oficina e depois por sua demolição e reconstrução em Uzina Uzona, terreiro multimídia, num longo espetáculo teatral. Invadiu os gabinetes dos burocratas com procissões dionisíacas (e registradas em vídeo), promoveu bacanais em espaços universitários, subverteu a lógica dos programas de televisão em que participou numa espécie de continuação do trabalho de Glauber Rocha. Seu palco é o mundo.Em parte isso se deu porque as condições objetivas de produção se mostraram sempre inóspitas para ele. Por outro lado se formou uma espécie de rede de preconceitos, que culminou com o epíteto de "decano do ócio". Mas talvez o principal seja que o não atuar no espaço tradicional emoldura exatamente sua atuação na esfera pública, seu verdadeiro papel de poeta do palco, seja nos happennings ou leituras públicas que sempre terminavam por ser "montagens que poderiam entrar em cartaz", ou em sua atuação. Na mídia e diante de platéias espontâneas nas ante-salas dos gabinetes ou na praça pública.Sua reestréia com As boas - leitura personalíssima das Criadas de Jean Genêt - transformou o texto numa metáfora para sua condição no teatro brasileiro, criada que mata por opção existencial a madame (na montagem Raul Cortez) e é por esta excluída das benesses da vida burguesa (ou da cidadania plena).Louco do Tarôt, outsider que paga berrando, como bom bode, o preço de sua lucidez, Zé Celso é imprescindível para o equilíbrio da ecologia de nosso claustrofóbico mundo artístico e intelectual. Com a possível estréia de seu Hamlet reinaugurando o espaço da rua Jaceguai, ele voltará a ocupar também o tempo e lugar burocraticamente delimitados para o teatro. Sem abandonar a vida.Novos expoentesA novíssima geração já escolheu seus expoentes. Em São Paulo é Gabriel Vilela. No Rio, Moacyr Góes.Vilela colecionou em quatro anos de carreira mais de setenta prêmios para seus espetáculos. Trabalhou com grupos de forte identidade como o Boi Voador, o Circo Graffiti e o Galpão (de Belo Horizonte) e também com estrelas como Regina Duarte, Xuxa Lopes, Lucinha Lins e Beatriz Segall.Partindo de Shakespeare, C. A. Sofredinni, Heiner Muller ou Raymond Queneau o resultado é sempre autoral: o universo de Vilela é reconhecível já ao se abrir o pano. Cenógrafo estupendo, em seu trabalho é impossível dissociar o aspecto visual da encenação propriamente dita.Ele procura o essencialmente brasileiro através de referências pessoais - chega a usar objetos e roupas de sua cidade natal, Carmo do Rio Claro com lugares comuns, o circo, teatro, o melodrama, o clown.Sua última encenação, A Guerra Santa de Luiz Alberto de Abreu, estreou em Londres, no Lift-London International Festival of Theather e talvez seja o seu espetáculo mais equilibrado até aqui. Nele, as referencias locais e universais se mesclam até formarem um terceiro elemento, onde a marca do diretor é indelével. É trabalho de maturidade.Moacyr Góes também amadurece a olhos vistos. Do quase preciosismo de seu primeiro espetáculo de impacto "Escola de bufões" - ele alcançou uma depurada síntese entre informação e viés lírico em Epifanias, uma versão muito pessoal e muito brasileira do Sonho de Strindberg.Ainda que esteticamente distantes, algo une Vilela a Góes: no centro de seu teatro está a questão ética. Ambos buscam compreender (ou forjar miticamente) um sistema de valores que os sintonize com um projeto de país que aparentemente os exclui. Não há lugar para o artesanal na Nova Ordem Mundial. Que não se veja aí uma ojeriza à tecnologia e sim um resgate da dimensão humana na questão da produção.Os descamisados substituem os simplesmente humanos na peça de Strinberg revisitada por Góes. Vilela faz de Dante um ser enlouquecido pelo convívio cotidiano com a miséria da população e a impotência diante da violência organizada. Entre a violência (Dante) e a poesia (Virgílio), uma patética Beatriz simboliza a natureza tentando salvar ao menos a cara de uma humanidade que convive pacificamente com a barbárie, sem compreender que pode (e vai) ser dragada por ela.Vilela e Góes, sistematicamente acusados de maneiristas, são os dois diretores da nova geração que têm atacado essa questão central de forma mais direta e inteligente.Outros centrosPorto Alegre, Belo Horizonte, Recife, Curitiba, Salvador, Belém - para ficarmos apenas nas capitais - têm uma tradição de produção e de consumo de espetáculos teatrais. Nessas cidades a divisão entre amadores e profissionais é tão tênue quanto no eixo Rio-São Paulo. Quantos profissionais, dentre os envolvidos nas mais de quatrocentas estréias do ano de 92 em São Paulo vivem realmente de seu trabalho? O que sustenta o ator brasileiro é - parodiando um bem sucedido produtor de São Paulo - a propaganda, a família e a telenovela. As exceções são, é claro, exceções.A recessão, é óbvio, piorou essa realidade. Mas talvez a tenha depurado para melhor. O Grupo Ponto de Partida, de Barbacena, por exemplo, organizou uma estrutura de produção que, baseada na inter-relação com a comunidade, mostrou-se extremamente eficaz. O resultado é esteticamente sintonizado com essa comunidade - e com outras, como atesta o estrondoso sucesso em Montevidéu do espetáculo Beco - a ópera do lixo.Exemplo semelhante encontramos em Salvador, onde a indústria cultural escreveu um capítulo à parte através do trabalho soteropolitano que produz e consome cultura autóctone, mas não xenófoba.O melhor exemplo da viabilidade da produção em centros urbanos menores é a trajetória do Festival de Teatro de Curitiba. Em duas edições, o Festival passou desventura corajosa a empreendimento com repercussões internacionais.Ele é, hoje, a vitrine do teatro brasileiro para o circuito internacional. De suas edições resultaram, por exemplo, a estréia de Gabriel Vilela em Londres e o convite a Bia Lessa para se apresentar em Montreal com Orlando - sendo ali aclamada como a grande promessa do teatro latino-americano, o que lhe abriu as portas para o circuito de distribuição europeu.Mas o mais importante é que Curitiba se firmou como um espaço de reflexão dos profissionais da área brasileira em debates que invariavelmente tiveram lotação esgotada.Isso só é possível porque Curitiba cultivou um público que se habituou a comparecer a espetáculos e manteve uma produção ininterrupta desde os anos 60, formando uma geração de diretores e atores sintonizada com a cena mundial. Diretores como Raul Cruz (prematuramente falecido), Marcelo Marchioro e Edson Bueno têm dado contribuições significativas à cena brasileira.O surgimento da Rede Brasil de Produtores, conectada à Rede Latino-americana de Produtores Independentes de Arte Contemporânea, em funcionamento há três anos, tornou possível, agora, um aspecto imprescindível para a viabilização de um mercado nacional para artes cênicas: a circulação de informações. Se as produções do Rio e de São Paulo se desconhecem imaginem o que se passa entre Canela (RS) e Campina Grande (PB) apenas para citar duas cidades cujos festivais têm sido focos de resistência à impermeabilidade da mídia a formas "artesanais" e "não modernas" de arte.A existência dessas redes e o fortalecimento do Festival de Curitiba como vitrine da melhor produção dita profissional e dos festivais de Londrina e Campinas como porta para o teatro vinculado à Universidade ou à reflexão mais geral são a saída visível para a falta de informações que torna nossos profissionais tão vulneráveis à repetição de erros e a uma visão distorcida de suas possibilidades.EstadoO teatro brasileiro - como toda a cultura - não pode depender do Estado. Governos que não conseguem nem criar uma política agrícola, num país como o Brasil, com certeza não sabem nem o que significa "política cultural". Ficamos assim à mercê de ações criminosas como as da quadrilha Fernando Collor/Ipojuca Pontes ou das limitações de competência de gestões politicamente corretas, mas inoperantes como a de Marilena Chaui.Mas a rigor só saímos formalmente dos tempos de exceções a pouco mais de dois anos - com a posse do primeiro presidente eleito. E o processo democrático levará, no mínimo, uma geração para novamente funcionar sem as febres da primeira infância.Na mão de outsiders como Fauzi Arap, Denise Stocklos, Antonio Nóbrega, Naum Alves de Souza, C. A. Sofredini, Hamilton Vaz Pereira, pessoas cujos projetos transcendem suas raízes históricas, é que talvez esteja a chave de uma estética mais afinada com o futuro do país. O cidadão-contribuinte, na perfeita definição de Plínio Marcos, começa a enxergar possibilidades na cena oficial. No momento em que a grande massa marginalizada do processo econômico tiver acesso às possibilidades do jogo teatral, talvez não se solucione a questão econômica, mas a questão política terá com certeza amadurecido.O teatro protagonizou nosso único surto de identidade cultural (1950 a 1968) e sobreviveu a todos os ataques econômicos, físicos e políticos da ditadura explícita (1964 a 1984) ou implícita (1985 a 1990). Tem tudo para ser novamente deflagrador de um processo de construção (ou identificação) de uma identidade nacional. Ainda que de maneira involuntária.
* Aimar Labaki é jornalista e dramaturgo.

MEMÓRIA DA CRÍTICA TEATRAL - AIMAR LABAKI


Aimar Labaki Júnior (São Paulo SP 1960). Autor e crítico. Respeitado por seus artigos e ensaios críticos voltados para as atividades cênicas paulistas, torna-se, em fins da década de 90, dramaturgo encenado continuamente.
Após abandonar uma formação em advocacia, Aimar inicia sua atividade como crítico teatral na Folha de S.Paulo, jornal para o qual escreve entre 1986 e 1990. Nos anos seguintes torna-se colaborador de O Estado de S. Paulo e Jornal da Tarde. Escreve ainda, de modo intermitente, para outros veículos: Vogue, Bravo, Folhetim, Teatro al Sur, etc.
Na área ensaística colabora em Cinema dos Anos 80, organização de Amir Labaki, 1990; e faz a introdução de Mare Nostrum, de Fauzi Arap, em 1995.
Traduz Ismênia, de Ianis Ritsos, e El Dragón de Fuego, de Roma Mahieu, ambas em 2000. No ano seguinte, é a vez de Copenhagen, de Michael Fryan, prestigiada encenação de Marco Antonio Rodrigues.
Como autor teatral escreve Tudo de Novo no Front, por ele dirigida em 1992, Vermouth, direção de Gianni Ratto, 1998; A Boa, direção de Ivan Feijó, 1999; Pirata na Linha, 2000; e Motorboy, 2001, infanto-juvenis dirigidos por Debora Dubois. Entre as inéditas constam: Allegro Ma Non Troppo, 1996; Miranda e a Cidade e VagaBunda ou Renée, ambas de 2000, e Babado Forte, baseada no livro de Érica Palomino, 2001.
Entre suas atividades ligadas ao gerenciamento cultural contam-se a assessoria da Secretaria de Estado da Cultura entre 1989-1990 e a direção da Casa de Cultura Mazzaropi, 1992-1993. Na área de curadoria e arbitragem de prêmios é o diretor da extensão paulista do Festival de Londrina, 1989; consultor do Festival de Curitiba, 1992-1993; Curador dos Eventos Especiais do 5º Festival Internacional de Teatro de São Paulo, 1995; e consultor do Programa Petrobras para Artes Cênicas, em 2001, ao lado de Helena Katz.
Para a televisão tem colaborado de diversas maneiras: na área de telenovelas como co-autor de Quem É Você? e Zazá, na TV Globo; como roteirista dos canais GNT, Futura, Redetv, Bandeirantes, TVEscola (Ministério da Educação) e SBT. É ainda comentarista de teatro na TV Gazeta (TVMix), apresentador do quadro Acontece do programa DiaDia, 1987-1991, da Rede Bandeirantes, e apresentador, produtor e roteirista do programa Thara Theatro, na Rádio 89 FM.
Aimar Labaki é um dramaturgo que vai mostrando seu valor gradualmente, aprimorando-se a cada nova peça, e firmando-se no panorama teatral como um dos representantes da dramaturgia contemporânea. É, também, consultor de grandes instituições fomentadoras das atividades teatrais e, paradoxalmente, de boa parte da classe teatral paulista. Além de realizar curadorias para uma série de eventos, sejam eles festivais, ciclos de palestras e debates, leituras de textos contemporâneos; ou redigir textos e ensaios para publicações editoriais, revistas, jornais... não há quem não o procure para mostrar-lhe um novo texto, um novo projeto de espetáculo, ou um conselho para um novo recorte ou conceito para alguma realização analítica em torno do teatro. Ele é um dos poucos homens de teatro que transita com desenvoltura no eixo São Paulo - Rio, e, ao mesmo tempo, um dos poucos que conseguem conciliar a vida prática de autor com a centena de solicitações que recebe como um dos teóricos paulistas mais respeitados da área.

MEMÓRIA DA CRÍTICA TEATRAL - PASCHOAL CARLOS MAGNO


Biografia
Paschoal Carlos Magno (Rio de Janeiro RJ 1906 - idem 1980). Animador, produtor, crítico, autor e diretor. Personalidade fundamental na dinamização e renovação da cena brasileira, Paschoal Carlos Magno funda o Teatro do Estudante do Brasil e o Teatro Duse.
Em 1926, faz uma experiência como galã em Abat-Jour, de Renato Viana. Em 1928, tem uma fugaz participação, como ator, no Teatro de Brinquedo, de Álvaro Moreyra; e escreve críticas para O Jornal. Em 1929, lidera ampla campanha de coleta de recursos para fundar a Casa do Estudante do Brasil. Em 1930, recebe da Academia Brasileira de Letras - ABL, um prêmio pela sua peça Pierrot, montada no Rio de Janeiro pela companhia de Jaime Costa, da qual Paschoal assume a direção artística. Em 1937, funda o Teatro do Estudante do Brasil - TEB, inspirado nos teatros universitários europeus, com uma função pedagógica, de formação teatral, e outra artística, de introduzir no nosso teatro a função do diretor teatral, cargo para o qual convoca a atriz Itália Fausta, que assina o primeiro espetáculo do grupo, Romeu e Julieta, de William Shakespeare, em 1938.
Em 1946, Paschoal tem representada em Londres, com boas críticas, a sua peça Tomorow Will Be Different, montada em vários outros países europeus, e também no Brasil. No mesmo ano, assume a coluna de crítica do jornal Democracia e, no ano seguinte, a do Correio da Manhã, que assina até 1961, através da qual exerce forte influência sobre o panorama teatral. Em 1948, sob sua orientação geral, e com direção do alemão Hoffmann Harnisch, o TEB monta Hamlet, de William Shakespeare, que alcança enorme sucesso e prestígio, sobretudo por revelar, no papel-título, o singular talento do jovem Sergio Cardoso, então com 22 anos, a quem Paschoal define, na sua coluna, como sendo desde já o maior ator do Brasil. Sob a repercussão desse êxito, e das viagens de Paschoal pelo Brasil afora, teatros de estudantes começam a ser criados em várias cidades. Em 1949, Paschoal preside o lançamento pelo TEB, de um Festival Shakespeare, no Rio de Janeiro, com Romeu e Julieta, Macbeth e Sonho de Uma Noite de Verão; e cria, junto com a cantora Alda Pereira Pinto, o Teatro Experimental de Ópera.
Em 1952, Paschoal leva o TEB para extensa turnê pelo norte, com peças de Sófocles, Eurípides, William Shakespeare, Gil Vicente, Henrik Ibsen, Martins Pena. No mesmo ano, dá início a uma outra iniciativa importante: o Teatro Duse, uma sala de aproximadamente 100 lugares e um palco mínimo, instalada no casarão de Paschoal, em Santa Tereza. Inaugurado em 1952, com João Sem Terra, de Hermilo Borba Filho, o Duse funciona, com ingresso gratuito, até 1956, revelando, entre outros, Aristóteles Soares, Francisco Pereira da Silva, Leo Vitor, Antônio Callado, Rachel de Queiroz, Paulo Moreira da Fonseca, Maria Inês Barros de Almeida, e conquistando um lugar de prestígio no panorama cultural do Rio de Janeiro. Nomeado responsável pelo setor cultural e universitário da Presidência da República por Juscelino Kubitschek, desloca-se permanentemente pelo país afora, garimpando jovens talentos e lutando pela criação ou dinamização de espaços onde eles possam dar vazão à sua ânsia de aprender e criar. Em 1958, organiza em Recife o primeiro Festival Nacional de Teatros de Estudantes, reunindo mais de 800 jovens e dando início a uma tradição que prosseguirá até o sexto festival.
Nomeado, em 1962, secretário geral do Conselho Nacional de Cultura, realiza a Caravana da Cultura, reunindo 256 jovens artistas que percorrem os Estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais, Bahia, Sergipe e Alagoas, apresentando espetáculos de teatro, dança e música e realizando exposições de artes plásticas e distribuição de livros e discos. Uma iniciativa semelhante, a Barca de Cultura, que desce pelo Rio São Francisco de Pirapora a Juazeiro, é promovida por Paschoal já na década de 70. O golpe de 1964 o afasta dos centros do poder e prejudica a sua carreira diplomática. Sua última grande realização inicia-se em 1965, quando ele inaugura, no interior do Estado do Rio de Janeiro, a Aldeia de Arcozelo, da qual pretende fazer um local de repouso para artistas e intelectuais e um centro de treinamento para as diferentes áreas das artes. Mas a volumosa obra consome o resto da sua fortuna e o obriga a vender o seu casarão de Santa Tereza para pagar as dívidas. Ainda assim, o dinheiro revela-se insuficiente, e Paschoal ameaça publicamente tocar fogo na fazenda. Alguns auxílios, oficiais ou privados, chegam a ser liberados; mas até hoje a Aldeia de Arcozelo encontra-se fechada sob o domínio da Fundação Nacional de Artes Cênicas.
O crítico Yan Michalski avalia sua contribuição ao teatro brasileiro: "Paschoal Carlos Magno, pessoa física, foi na verdade uma instituição: sozinho, embora sempre ajudado por legiões de jovens que ele sabia contagiar com a mística das suas utopias, ele quase chegou a exercer, às vezes, funções que caberiam a um informal Ministério da Cultura. Personalidade polêmica, era muito questionado por repetir infinitamente um ritual que consistia em inventar e lançar um projeto de sonho aparentemente utópico, e, a seguir, mover céus e terra para cobrar dos poderes públicos os recursos necessários para a sua concretização; e também por atribuir triunfalmente - sobretudo na sua coluna do Correio da Manhã - vislumbres de genialidade a promessas, sobretudo regionais, que ainda davam seus primeiros passos. Muitas das inovações que trouxe à vida teatral brasileira foram genuinamente revolucionárias; mas havia na sua atuação um toque paternalista claramente conservador. Não há dúvida, porém, de que seu apostolado defendia, quase sempre, as boas causas; de que o seu entusiasmo revelou talentos que sem o seu apoio dificilmente teriam desabrochado; e de que raras são, ainda hoje, iniciativas válidas do teatro brasileiro a que não esteja ligado alguém que não tenha recebido em algum momento um empurrão decisivo do patriarca de Santa Tereza".1
Notas
1. MICHALSKI, Yan. Paschoal Carlos Magno. In:_________. PEQUENA Enciclopédia do Teatro Brasileiro Contemporâneo. Material inédito, elaborado em projeto para o CNPq. Rio de Janeiro, 1989.