domingo, 9 de agosto de 2009

MEMÓRIA DA CRÍTICA TEATRAL - VALMIR SANTOS

Cerimônias de Despedida

Na adaptação para o teatro de “Por um Fio”, de Drauzio Varella, a força vem do texto original — um relato da convivência do médico com pacientes terminais

Por Valmir Santos

,A boa prosa do médico Drauzio Varella justifica as releituras frequentes acolhidas no teatro, no cinema e na televisão — Estação Carandiru, seu livro mais popular, por exemplo, ganhou versões em todas essas áreas. Agora é a vez de Por um Fio, que chega a São Paulo. A última fala da peça, dirigida por Moacir Chaves, traduz o espírito da obra: "O cavalo fica mais esperto quando sente vertigem na beira do abismo", frase de um dos pacientes terminais tratados por Drauzio.
Diante dessa força dramática, Chaves optou por transpor literalmente parte dos textos do livro para a cena. Nas 11 narrativas, o espetáculo apresenta as histórias de homens e mulheres cujas vidas ganharam outro significado após um diagnóstico sombrio. Com alguns, o médico partilha cerimônias de despedida; com outros, a cura. Os pacientes têm consciência da morte iminente ou da sobrevida — e qualquer uma transforma a visão sobre ser e estar no mundo.
O relato de um imigrante polonês é dos mais contundentes. Homem de negócios, casado, pai de quatro filhos, ele opera um tumor na perna, enfrenta nódulos nos pulmões, fica viúvo e namora uma moça 35 anos mais nova. Contraria os filhos e vive mais dois anos ao lado dela. Tempo de progressão da doença e de experimentar um sentimento amoroso que jamais tivera.
Na peça, como no livro, o ciclo fecha-se com Drauzio lembrando o tratamento e a perda do irmão dois anos mais novo, vítima de tumor maligno. O convívio cotidiano com a onipresença da morte faz com que Varella/Chaves abordem lateralmente alguns dilemas da triangulação paciente/familiares/médico em decisões urgentes quanto a procedimentos cirúrgicos.
OUTONO DA VIDA
Em termos formais, a direção de Chaves é convencional. Pouco recria em torno do que já existe na obra — daí que seja inescapável a opção pela narração em detrimento da representação. Para quem leu as histórias, paira a sensação de "ouvir o livro" por meio das vozes dos atores Regina Braga e Rodolfo Vaz, revezando-se na interpretação de Drauzio e dos pacientes. São presenças acanhadas, que não correspondem ao que eles podem proporcionar.A trilha ao acordeão ou ao piano suaviza as transições de um quadro a outro, e a cenografia de J. C. Serroni compõe um painel sobre o outono com árvores ressequidas e folhas caídas. São recursos de um espetáculo em que a ligação com o espectador se dá mesmo por meio de um texto que sublinha a vida ao tocar o seu contrário. No que se refere a Drauzio, revela sua capacidade de se emocionar com o distanciamento exigido pelo ofício de médico. No caso da peça, essa é uma virtude que não conseguiu ser reproduzida.

Valmir Santos é jornalista.

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