segunda-feira, 27 de julho de 2009

HAMLET(IV) DIREÇÃO DE ADERBAL FREIRE FILHO


Sobre "Hamlet"
LEITOR CRÍTICO:Alberto Guzik

Vai daí então que eu fui ontem ao Teatro Faap ver o "Hamlet" de Aderbal Freire Filho e Wagner Moura. Já já vou dar aula. Então não tenho tempo agora de fazer um comentário taludo sobre esse "Hamlet". Mas quero registrar que saí do teatro envolvido e arrebatado pelo espetáculo. Ele me acompanhou durante a noite e pela manhã. Me fez pensar, ler o longo texto do programa, em que o lúcido Aderbal disseca as raízes e a estética da montagem. Me fez pensar nas opções dos atores. Um elenco muito hábil cerca Wagner Moura, que é um bicho de palco, um ser possuído pela personagem. E que bela possessão ele nos permite assistir! Caramba. O espetáculo é além de tudo um grito de paixão pelo teatro. Mas enfim, já estou me estendendo. Se você estiver à procura de um programa memorável para seu fim de semana, vá à Faap ver esse poderoso "Hamlet". Vai ter quem não concorde comigo. Ontem mesmo, no intervalo, já ouvi gente dizendo que preferia o "ensaio.hamlet" do Enrique Diaz, e alguém falou que melhor foi o do Diogo Vilela. É uma competição, uma corrida? Cada espetáculo não vale por ele mesmo, tem que ser pesado, medido, pela mídia em busca de sensações e manchetezinhas? Eu nem me incomodei em comparar com os outros, nem me interessei por esse exercício. O que vi em cena foi um "Hamlet" soberbo. No fim, agradeci ao Aderbal e ao Wagner pelo espetáculo que eles nos propiciaram. Foi um agradecimento vindo de lá, "do coração do coração", como diz Hamlet, onde a gente guarda as intensas emoções.
TEXTO 2 : pelo dedo
LEITOR CRÍTICO: alberto guzik
fui na sexta rever o "hamlet" de aderbal f.f. e wagner m., que sai de cartaz no próximo domingo. assisti pela primeira vez na estréia. fiquei apaixonado. foi para mim, com certeza, o melhor hamlet dos que já vi montados no brasil e um dos melhores que vi até hoje. pra este espetáculo, seu diretor e seus atores, é questão de vida ou morte fazer o público entender a magnífica trama costurada por william shakespeare. por isso a tradução é muito clara, objetiva, e a atuação segue a mesma trilha. é um hamlet brechtiano, esse de aderbal. ele mostra o ventre do trabalho, expõe a cena e os bastidores, estabelece um jogo épico. não vou repetir aqui o que escrevi quando vi a montagem na estréia. quis rever para confirmar essas impressões tão positivas. e o que testemunhei na sexta foi um espetáculo ainda melhor que o da estréia. mais maduro, mais denso. como todo ótimo teatro fica. o jogo do elenco está muito mais intenso, depurado. havia ouvido dizer que o espetáculo estava fora de controle, que wagner moura havia perdido o tom, que estava exagerado. pois bem. a montagem permanece EXATAMENTE a mesma, só que mais condensada, mais bem jogada. mateus solano, como horácio, deu ao personagem uma dimensão vibrante e intensa, que faltava antes ao personagem. tonico pereira é um cláudio que me empolga pelo despudor, pela arrogância. carla ribas, cujo trabalho não curti na estréia, cresceu e agora encarna gertrudes de verdade, com gana. gillray coutinho continua estupendo como polônio. e georgiana góes é uma ofélia arrepiante. sua cena da loucura é memorável. fábio lago dá a laertes uma força e uma grandeza que geralmente são negadas ao personagem. esse elenco confere paixão ao jogo de cena e aos personagens. é PRECISAMENTE isso que nos oferece wagner moura. poucas vezes vi um ator tão preciso, tão capaz de controlar os volumes do torturado príncipe. percebo segurança, solidez e precisão em seu desempenho. a partitura que moura está cumprindo agora é a mesma da estréia. não vi nenhuma diferença. a não ser na exatidão, na habilidade do jogo, na exploração de cada frincha, de cada fresta do personagem. enfim, naquilo que todo ator que ama seu ofício faz ao longo de uma temporada. estou feliz por ter reencontrado o "hamlet" de aderbal/moura, projeto longamente acalentado e plenamente realizado. o espetáculo, seu elenco e protagonista foram esquecidos ou não lembrados como deveriam nas premiações do ano. isso quer dizer alguma coisa que prefiro não nomear aqui. mas com certeza é uma atitude injusta. acusam wagner moura de realizar no seu desempenho um exercício de ego. que significa isso? que besteira é essa? queriam que ele abdicasse de sua personalidade? para desempenhar hamlet com a personalidade de quem? da mãe dinah? moura é aqui nada mais nada menos que um ator possesso, tomado pelo personagem, no melhor e no mais pleno sentido dessas palavras. que mais o povo quer? por que não percebem, por exemplo, o gênio do teatro pleno em cena no momento em que hamlet/moura pranteia polônio/gilray coutinho. há uma verdade aterradora naquela dor. exatamente o que o texto pede. e não lembro de ter visto outros intérpretes se apropriarem dessa forma da pequena e crucial seqüência de versos, na qual hamlet avalia seu ato e antevê o que virá. difícil esquecer a intensidade que wagner moura atinge nessa passagem, que vem a ser apenas um fragmento de uma das cenas mais viscerais da peça, a do confronto entre o príncipe e sua mãe. bem, pelo dedo... mas é preciso dizer, para que não fique dúvida, que o restante da atuação de wagner moura é igualmente eletrizante e teatral no mais belo sentido do termo. se não ganhou prêmios, assim como a encenação, cenário, figurinos, demais atores, o problema é que quem deu os prêmios, não dos artistas. continuo apaixonado pelo que vi. agora um pouco mais.

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