segunda-feira, 27 de julho de 2009

HOJE É DIA DO AMOR DE JOÃO SILVÉRIO TREVISAN - DRAMATURGIA E SEXUALIDADE(S)


Neste monólogo em ato único, um michê de luxo vive uma sessão sadomasoquista com um policial que nunca aparece em cena. A ação se passa numa Quinta-feira Santa, dia que a Igreja Católica celebra a instauração do mandamento do amor. Acorrentado a uma cruz, o personagem fala de sua vida, evoca trechos bíblicos (foi seminarista) e provoca um jogo amoroso radical, num ritual SM perigoso, apesar de adulto e consentido. Tudo isso acontece por força de um suicídio que abalou o personagem do michê. Mas na peça nada é apenas aquilo que parece ser. A palavra “ilusão” não deve ser pensada como “engano”, mas no sentido de “inverter” papéis e situações. O tirano ausente – o Master – é não apenas bem-vindo, mas celebrado como Salvador. Em contrapartida, tudo o que ele sabe lhe foi ensinado pelo escravo, sem o qual seu poder não existiria. Jogo de espelhos com seus avessos: o michê-escravo também é Master com seus clientes, mas no momento de maior legitimidade amorosa passa a ser submisso. Ele se entrega a esse procedimento buscando entender a dor – vivenciando-a, portanto, na própria pele. O santo da dor resulta da total renúncia de si para desvendar e desconstruir a dor humana. Com isso, o michê-escravo sabe que está repetindo o gesto fundador do cristianismo, quando Cristo se entrega à morte por amor à humanidade. Mas acaba descobrindo, como parte deste aprendizado da dor, que não existe Salvador. A encenação optou por colocar a platéia – do ponto de vista metafórico – no lugar do escravo torturado, para que através de sua consciência ante o espetáculo, mergulhe no aprendizado da dor. O ator submete-se a uma transfiguração que vem do seu âmago, mesmo quando sua dor se oculta por trás de uma denegada alegria. Do ponto de vista da direção, criaram-se expressões rascantes a partir da imagética de São Sebastião e de vasos gregos, mas também do diálogo com filmes em que o trabalho de intérpretes como a atriz Falconetti e os atores Zbigniew Cybulski, Marlon Brando e James Dean são intertextos de uma interpretação que não mimetiza o real, mas problematiza-o do ponto de vista da representação. A partir da dissecação de cada filigrana do texto, a partitura do ator foi criada em suas contradições, invertendo-se mais uma vez o espelho: ocorre um rito de iniciação à vida em ligação umbilical à sua finitude. Nesta encenação, cada pincelada e cada escolha -- da música eletrônica às modulações da voz, da cenografia à luz -- foi assimétrica, dissonante, gauche. Trata-se de uma paixão (dir-se-ia medieval), indo de Belém ao Calvário, mas sem que se ofereça salvação nem consolo. Ao final, os espelhos da peça voltados para o público sugerem que cada espectador mergulhe em si mesmo e busque dentro de si as respostas para a inevitável dor de viver.
Ficha Técnica Texto: João Silvério TrevisanDireção: Antonio CadengueInterpretação: Gustavo HaddadConcepção cenográfica/trilha sonora: Antonio Cadengue e João Silvério Trevisan Criação dos painéis: Paulo SayegIluminação/operação de luz: Augusto TiburtiusAdereços: Fabiano MachadoFotografia: André StéfanoDireção de palco/ operação de som: Luiz Mário VeríssimoDiretor de produção: Luque DaltrozoRealização: G. Haddad Produções e Daltrozo Produções

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